Quando vocĂª faz jornalismo sĂ©rio, muda o mundo

Texto: Eduardo Abbas
Fotos: Universal Pictures / Arquivo

Vivemos uma enorme sĂ©rie de ocasos de temas da vida cotidiana, segundo os profetas do apocalipse, isso se deve graças aos humanos e suas manias, ao desperdĂ­cio desenfreado, a falta de respeito, a intolerĂ¢ncia com quem pensa diferente, mas principalmente, ao jornalismo mal feito, que serve apenas para atender interesses escusos e sempre deixar impune quem paga mais.

Claro que existe tambĂ©m o fator preguiça, nunca deverĂ­amos esquecer a nossa formaĂ§Ă£o, de onde viemos e para onde queremos chegar, dando um passo para trĂ¡s para tomar o impulso necessĂ¡rio e ir em frente, sabe o Steven Spielberg? Ele nĂ£o esconde de ninguĂ©m que, quando tem duvidas durante uma produĂ§Ă£o, assiste novamente Lawrence da ArĂ¡bia, considerada por ele a sua obra de referencia.

Desde os anos 70 os jornalistas de todo o mundo tĂªm, dito pelos professores de faculdade, uma grande obra de referĂªncia, Todos os Homens do Presidente Ă© para consultar e fazer jornalismo decente, mas a desculpa de que Ă© muito velho faz com que os desinteressados fujam do modelo. Tudo bem, se Ă© essa a desculpa, mais recentemente tem Spotlight: Segredos Revelados que Ă© uma aula para quem busca recuperar o real objetivo da profissĂ£o, mas, e sempre existe um mas, fazer fofoca Ă© mais fĂ¡cil, rende mais cliques, acaba com reputações, desemprega e mata suas vĂ­timas indefesas, foi ela que deu origem ao termo Fake News, que abriu a dĂ©cada e, ao que parece, vai demorar para desaparecer.

Estreia hoje nos cinemas brasileiros um filme que tem tudo para ser a mais nova referencia dos coleguinhas, quase sempre cheios de razĂ£o e vazios de conhecimento, para fazer jornalismo sĂ©rio e compromissado, sĂ³ que desta vez com uma diferença enorme e, pelo tema, nĂ£o poderia ser diferente, ele visto e relatado pelos olhos de mulheres, em todas as etapas da produĂ§Ă£o! Ela Disse (Annapurna Pictures, Plan B Entertainment, Universal Pictures) mostra o lado mais podre do homem que tem poder, acobertado muitas vezes por corporações que sĂ³ pensam em dinheiro.

O roteiro escrito pela vencedora do Oscar®a inglesa Rebecca Lenkiewicz, Ă© impressionante, foi baseado no livro best-seller Ela Disse: Os Bastidores da Reportagem que Impulsionou o #MeToo, escrito por Megan Twohey e Jodi Kantor, vividas no filme pelas Ă³timas Carey Mulligan e Zoe Kazan, nele ela descreve a evoluĂ§Ă£o das duas jornalistas na vida particular e profissional tratando de temas muito pertinentes, amarra todas as pontas e conta uma histĂ³ria com todos os ingredientes de suspense, emoĂ§Ă£o e verdade.

Na roda viva da vida, as duas profissionais investigativas acabam trabalhando juntas e publicaram a matĂ©ria mais importante de toda uma geraĂ§Ă£o, aquela que ajudou a lançar o movimento #Metoo, que quebrou dĂ©cadas de silĂªncio sobre o tema do abuso sexual em Hollywood e transformou a cultura norte-americana para sempre.

É um longa bem realizado, a direĂ§Ă£o de Maria Schrader Ă© correta, mas poderia ser mais ousada, ela deveria ter mexido em outros vespeiros que vivem ocultos, esse era o momento ideal, uma oportunidade pioneira de jogar no ventilador, nĂ£o fez, mesmo assim conseguiu mostrar a importĂ¢ncia de dois profissionais essenciais na trama, a editora Rebecca Corbett, representada pela estupenda Patricia Clarkson e Dean Baquet, o primeiro negro a ser editor executivo do The New York Times, vivido pelo competentĂ­ssimo Andre Braugher, os dois sĂ£o o sustentĂ¡culo da revoluĂ§Ă£o que se iniciou no jornal.

Gosto muito da fotografia da argentina Natasha Braier, sou seu fĂ£ desde The Rover – A Caçada, ela nĂ£o tentou inventar nada, a textura lembra programas jornalĂ­sticos de qualidade, isso porque usou na captaĂ§Ă£o cĂ¢meras digitais que trazem, nesse caso, um melhor entendimento visual e deixam a ediĂ§Ă£o feita pelo alemĂ£o Hansjörg WeiĂŸbrich, um dos poucos homens da realizaĂ§Ă£o, sĂ³bria e objetiva, isso ajuda demais a clareza do desenrolar da trama.

Certamente os 129 minutos de exibiĂ§Ă£o de Ela Disse serĂ£o lembrados nas indicações aos prĂªmios do cinema por seus mĂ©ritos e nĂ£o por interesses manipulados, coloca no varal da indĂºstria cinematogrĂ¡fica todas as manchas das roupas sujas de todos que trabalham com ela e se espalha por outras categorias e negĂ³cios. Pena ser limitado ao brasileiro com a ClassificaĂ§Ă£o Indicativa de 12 anos por conter violĂªncia, drogas lĂ­citas e linguagem imprĂ³pria, mesmo assim, jĂ¡ esta na hora dos homens evoluĂ­rem e pelas mĂ£os das mulheres, as maiores oprimidas tem que ter voz e atitude, quem nĂ£o concorda, por favor, mude de planeta!

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