O filme mais esperado do ano é uma das melhores adaptações dos quadrinhos e reverencia quem realmente faz a diferença

Texto: Eduardo Abbas
Fotos: Warner Bros. Pictures

Não me venha com chorumela machista, um filme feminino dirigido por uma mulher competente sobre uma mulher poderosa é muito melhor que várias aberrações que andamos assistindo nos últimos tempos, talvez a frase do romancista francês Alphonse de Lamartine possa definir mais claramente o que é essa obra cinematográfica: “Há sempre uma mulher na origem de todas as grandes coisas”.


Uma mulher heroína dentro de um universo dominado por homens foi obra do psicólogo William Moulton Marston que também era escritor de quadrinhos. O modo como foi criado o personagem não é lá muito ortodoxo, ele se baseou no seu relacionamento com duas mulheres, a esposa Elizabeth Holloway Marston e Olive Byrne, o trio vivia em uma relação de polígama sob o mesmo teto, a personagem surgiu nos quadrinhos em 1941 e foi uma série de sucesso na TV entre 1975 e 1979.


Deixando a profundidade de lado e indo diretamente ao fato, estreou esta semana nos cinemas brasileiros um dos mais esperados filmes do ano, quer seja por sua personagem ou mesmo pela torcida dos cinéfilos para ser um sucesso que reabilite a DC Comics no seu universo de heróis. Mulher Maravilha (DC Entertainmemt, Atlas Entertainment, Cruel and Unusual Films, Tencent Pictures, Wanda Pictures, RatPac Entertainment) é certamente um dos melhores filmes de ação e elaboração de personagem do ano.


Coincidência ou não, os produtores usaram o mesmo pretexto para definir qual o biotipo da heroína, tanto na série de TV quanto agora no cinema, uma ex-miss foi chamada para viver a personagem, mas essa agora tem um plus: talento! Gal Gadot (que já é uma Deusa na vida real!) retorna como a personagem-título do épico de ação e aventura. A moça além de linda convence muito no papel, suas expressões faciais são fortes e em alguns casos não necessitam de texto, a técnica aprendida no exército de Israel de autodefesa ajudam nas cenas de luta e deixa claro não ser só um rosto bonito e um corpo perfeito, é uma atriz na essência da palavra.


No ótimo elenco estão Chris Pine (surpreendendo), Robin Wright (da série House of Cards), Danny Huston (X-Men Origens: Wolverine), David Thewlis (A Teoria de Tudo), Connie Nielsen (Gladiador), Elena Anaya (A Pele que Habito), Ewen Bremner (Êxodo: Deuses e Reis), Lucy Davis (Todo Mundo Quase Morto), Lisa Loven Kongsli, Eugene Brave Rock e Saïd Taghmaoui (Trapaça), tipos e egos muito diferentes que se encontraram para viver personagens de forma coesa e harmoniosa.


É o primeiro roteiro para cinema feito pelo escritor de histórias em quadrinhos Allan Heinberg e é brilhante, você vai notar a força da estória quando o filme terminar e isso é típico das HQ, ele foi construído usando a técnica dos 6 quadros básicos (requadro, calha, balão e recordatório, onomatopéia, desenho/ imagem e narrativa visual) e isso faz toda diferença. Antes de tornar-se Mulher-Maravilha, ela era Diana, princesa das Amazonas e treinada para ser uma guerreira invencível.


Diana descobre que um grande conflito assola o mundo quando um piloto americano cai com seu avião no mar. Convencida de que ela é capaz de vencer a ameaça de destruição, Diana deixa a ilha e lutando lado a lado com homens na primeira guerra mundial, a filha de Zeus pretende acabar de vez com o conflito, aí ela vai descobrir todos os seus poderes e seu verdadeiro destino.


A diretora Patty Jenkins é conhecida pelo longa Monster – Desejo Assassino, desta vez encarou um Blockbuster com um orçamento de US$ 149 milhões e não decepcionou, as suas intervenções na construção dos vários personagens e a correta condução do enredo conseguem manter a atenção durante as 2 horas e 21 minutos de exibição, trata-se de um filme de ação romanceada com pitadas de humor pontual e fino, a medida é correta em todos os sentidos, não cai nem no escracho nem no melodrama.


Sua performance é excelente, poucas vezes eu vi um diretor até certo ponto novato se encaixar tão bem na condução de um trabalho, Patty deve ser lembrada agora com mais freqüência para projetos que necessitem o olhar por trás da câmera, ela é de formação assistente de diretor de fotografia e sua interpretação de roteiro sai da forma quadrada que atores tem quando resolvem dirigir, é um lado mais espectador do que interpretativo e esse é o grande diferencial nesse filme.


Claro que as cenas de ação têm um cuidado muito maior e várias produtoras de efeitos visuais (Double Negative, MPC, Pixomondo, UPP) apresentam um trabalho de altíssima qualidade tanto em CGI quanto em Live Action, é um dos pontos altos do filme, é tratado sem grandes exageros, evidente que existem momentos de fantasia extrema que são inevitáveis até pela característica da personagem, mas isso tudo é ajudado por uma trilha sonora envolvente e uma edição de som que te coloca dentro da ação, queira ou não!


A fotografia de Matthew Jensen (Quarteto Fantástico) aproveita muita luz natural nas cenas diurnas e faz na maioria das tomadas noturnas a Noite Americana, ela é correta na captação mas pouco criativa na elaboração de novos elementos. O destaque mesmo é a edição, o veterano Martin Walsh (Oscar® de edição por Chicago) mostra uma grande forma na narrativa suave no começo e que vai acelerando gradualmente enquanto o filme se desenrola até o final onde volta a ter suavidade para encerrar, digamos que você entra em uma montanha russa assistindo a produção.


Eu listei mais de um motivo para você pular da cadeira e ir ao cinema assistir Mulher Maravilha, é até o momento o melhor filme baseado em HQ do ano e deve começar a mostrar sua força nas bilheterias neste fim de semana, dá pra levar a família toda (livre) e começar a ver a DC ressurgir com seus personagens e com grande força, ainda bem que isso está acontecendo com as mulheres, como definiu o romancista Joseph Conrad: “Ser mulher é um negócio dificílimo, já que consiste basicamente em lidar com homens” e agora não é a hora deles!


Beijos & queijos